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Nascer no Brasil

No último domingo, um programa de TV denunciava, em horário nobre, mais uma vez, um midiático médico obstetra, conhecido por atender celebridades e aparecer na indústria do entretenimento.

A influenciadora digital, Shantal Verdelho e seu esposo, relatavam as violências vivenciadas durante o trabalho de parto da segunda filha, no final do ano passado. Além da entrevista com o casal, a reportagem ganhava mais impacto ao mostrar o vídeo da situação. O que era para ser um momento alegre e íntimo, passou a ser, no mínimo, chocante e público. É doloroso saber que ainda existem profissionais de saúde desqualificados para o exercício do seu trabalho.

A partir da denúncia apresentada pelo casal, outras mulheres relataram casos de abusos do mesmo médico, que jura não ter feito nada. Alguém poderia avisá-lo que os tempos mudaram? As mulheres estão aprendendo seus direitos e não estão mais aceitando violências que no passado eram, tranquilamente, silenciadas.

Shantal optou pelo parto humanizado. Provavelmente, tenha buscado informações e era conhecedora que a prática da episiotomia entrou em desuso e já não é mais preconizada pela Política de Humanização do Parto e Nascimento (PHPN), programa integrante do SUS. Esta política visa à adoção de medidas e procedimentos benéficos para o acompanhamento do parto e nascimento, evitando práticas intervencionistas desnecessárias que, embora tradicionalmente realizadas, não beneficiam nem a mulher, nem o recém-nascido, e que, com frequência, geram riscos para ambos.

Ao assistir à entrevista, fiquei pensando em quantas mulheres se identificaram com a narrativa da Shantal. Recordei dos tempos de faculdade, quando frequentava as aulas práticas no curso de Enfermagem e Obstetrícia. Muitas vezes ouvimos piadas e xingamentos na hora do parto, com falas que, grosseiramente, culpavam as futuras mães pela demora na intervenção.

Podemos perder a memória de outros fatos da vida, mas desconheço alguma mulher que não lembra os detalhes dessa ocasião. Inclusive, o primeiro parto que presenciamos, uma das minhas colegas de turma desmaiou ao ver a manobra de Kristeller (pressão no fundo do útero para expulsar o bebê) somada aos gritos do médico, enquanto a parturiente fazia o máximo esforço para que tudo ficasse bem. Depois dessa experiência, lembro que todas juramos que nunca faríamos parto normal.

Felizmente, hoje temos programas de humanização do parto. A portaria n 1.459, de 24 de junho de 2011, por exemplo, instituiu a Rede Cegonha no SUS. Consiste numa rede de cuidados que busca assegurar à mulher o direito ao planejamento reprodutivo e à atenção humanizada durante a gravidez, parto e puerpério e atenção integral à saúde da criança e sistema logístico (transporte e regulação). Inclusive, um dos pontos dessa portaria é a garantia do acompanhante durante o acolhimento e o trabalho de parto, parto e pós-parto imediato. São avanços significativos nas políticas de saúde para as mulheres.

Entretanto, além dos relatos de partos desumanizados, o Brasil tem um dos maiores índices de cesariana do mundo. A pesquisa Nascer Saudável (Fiocruz), apontou que a maioria das mulheres inicia o pré-natal optando pelo parto vaginal, mudando de opinião ao longo da gestação. Seria a pressa dos 'doutores' um fator que predispõe a não realização do parto normal? A mesma pesquisa apontou que as mulheres negras sofrem mais no parto pelo mito de que são mais fortes.

Recomendo assistirem ao vídeo produzido através de parceria da Fiocruz, CNPQ, Ministério da Saúde, entre outras instituições, intitulado "Nascer no Brasil: Parto, da violência obstétrica às boas práticas". O documentário traz um retrato dos partos no país, reforçando a necessidade de continuarmos nos manifestando para atingirmos as boas práticas durante esse período tão marcante de nossas vidas.

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